Como a pandemia acelerou a digitalização da Tesouraria e Gestão financeira
A crise pandémica colocou as empresas perante desafios imprevistos, em múltiplas vertentes. E, neste processo de transformação digital, assume especial relevância a adoção da cloud, na qual os receios com a segurança parecem ter sido definitivamente superados.
Perante alterações súbitas nos modelos de negócio e nas cadeias de distribuição, os gestores financeiros viram-se perante novos riscos para gerir e uma pressão acrescida para encontrar soluções e responder de forma mais eficiente às exigências corporativas.
Em resultado, a aceleração dos processos de transformação digital foi inevitável. Num relatório recentemente publicado pela Eurofinance, no qual foram auscultados os gestores financeiros e os responsáveis de tesouraria de vários pontos de mundo, é possível comprovar a validez de muitas das perceções gerais, tanto nas PME como em empresas de maior dimensão.
O que mudou com a pandemia
Fica evidente que a crise destacou a importância estratégica da gestão de tesouraria para as organizações, particularmente nas áreas da liquidez e da gestão de risco. O estudo também sublinhou os benefícios tangíveis de um melhor controlo do fundo de maneio. E os autores defendem que a crise pandémica deu um novo impulso à adoção de tecnologias inovadoras como o robotic process automation (RPA), machine learning (ML)/ inteligência artificial (IA) ou até mesmo API: por exemplo, quase 80% das empresas já estão a explorar, ou têm em vista explorar, APIs. A maior disponibilidade de dados e a evolução das ferramentas de análise fizeram disparar o desempenho nas áreas tradicionais da gestão de tesouraria como o cash-flow forecast, a gestão do risco cambial e de taxas de juro.
A cibersegurança destaca-se neste estudo como um risco e uma preocupação emergente. Embora a transição para o trabalho remoto se tenha efetuado de uma forma surpreendentemente ágil, esta nova forma de trabalhar acarreta diferentes riscos que necessitam ser acautelados, sobretudo porque o retorno ao trabalho em escritório em full-time parece improvável.
De acordo com o inquérito, as empresas mais pequenas lutam mais com os desafios tradicionais de acesso aos dados, com a sua precisão, e com processos baseados em papel. Mostram-se igualmente mais céticas e mais lentas a adotar novas ferramentas digitais, nesta área da gestão financeira e de tesouraria.
Gestão da tesouraria acrescenta valor
Nos últimos anos, a gestão da tesouraria deixou de ser uma mera função de suporte de back-office, afirmando-se pela sua capacidade de acrescentar valor ao negócio a cinco níveis:
- Suportar as necessidades de liquidez do negócio
- Otimizar os ativos financeiros e os instrumentos de endividamento
- Minimizar o custo do capital
- Promover melhorias no cash-flow
- Gerir riscos financeiros
E parece evidente que esse papel depende em larga medida da evolução verificada ao nível da capacidade operacional e preditiva das tecnologias e sistemas de informação que suportam esta atividade. Longe vão os tempos em que os gestores financeiros viam a sua capacidade de ação limitada por sistemas de informação desintegrados, com dados incompletos e desatualizados, e com uma resposta funcional ineficiente face às suas necessidades.
Com os sistemas adequados, é hoje possível ter uma visão centralizada de todas as operações de tesouraria, bem como monitorizar e prever a sua evolução, permitindo, assim, gerir com maior precisão as necessidades de fundo de maneio e de endividamento. A comunicação e a integração automática de dados e operações entre as empresas e as entidades bancárias são uma realidade, suportada em tecnologias como o open banking e na adoção de protocolos e formatos estandardizados de comunicação, como o SEPA.
Nada disto é novo e já estava disponível antes da pandemia. No entanto, a crise pandémica parece ter sido um propulsor fundamental para transformar os receios iniciais – naturais em qualquer mudança – num apetite acelerado pela adoção de novas ferramentas e tecnologias.
A cadeia de valor financeiro digital
Neste processo de adoção e transformação digital, assume especial relevância a procura e adoção da cloud, na qual as preocupações e receios primários com a segurança deste modelo tecnológico parecem ter sido definitivamente superados.
As visões e projeções efetuadas no início da década encontram-se hoje concretizadas em muitas organizações, nas quais encontramos hoje uma verdadeira cadeia de valor financeiro digital. Nesta cadeia, o CFO tem a capacidade autónoma de analisar e tomar decisões em tempo real, no escritório ou em ambiente remoto, sem depender dos seus parceiros bancários, do feedback, recursos e dados de outros departamentos, ou da intervenção manual para atualização de dados e executar operações.
A agilidade e resiliência impostas por um ambiente complexo, em constante mudança, permitem adivinhar que este caminho de transformação digital nunca se pode dar por concluído e é um meio essencial para vencer eventos súbitos e inesperados como a crise que atravessamos.
Artigo publicado originalmente em Jornal Económico