A liderança no feminino

A disparidade de género ainda é uma realidade no setor das tecnologias. Ouvimos os testemunhos de nove mulheres em posições relevantes na indústria do IT sobre o que deve ser melhorado, entre as quais destacamos a opinião de Ana Teresa Ribeiro, Business Unit Director, Accountants & Small and Medium Business Sage.


Muitos são os estudos que demonstram que a diversidade de género dentro de uma organização é um dos fatores apontados para o sucesso. Apesar do ritmo lento e da desigualdade ainda sentida, o número de mulheres em cargos de liderança empresarial está a crescer na área das tecnologias. Existe uma valorização crescente dos traços de liderança mais frequentes entre as mulheres líderes, como é o caso do trabalho em equipa, a promoção das relações interpessoais e a motivação do grupo. As organizações têm agora um papel fundamental nesta nova realidade, uma vez que devem atrair o mundo feminino com políticas e incentivos que concedam uma flexibilidade para as necessidades das mulheres, fazendo com estas encontrem um equilíbrio entre a vida profissional e pessoal.

É fundamental dar a conhecer exemplos reais e transparentes para que cada vez mais mulheres queiram apostar na área das tecnologias e, consequentemente, chegar a cargos de liderança. Ouvimos os testemunhos e a experiência de nove mulheres em posições relevantes na indústria do IT.

 


“A inteligência emocional ajuda-nos na forma como lideramos e gerimos pessoas”
Ana Teresa Ribeiro
Business Unit Director, Accountants & Small and Medium Business Sage


Se olharmos para dados estatísticos, ainda vemos mais homens do que mulheres no setor de IT. Já na perspetiva de liderança, acredito que a diferença já não será tão grande porque não estamos a falar só de competências técnicas. Quanto mais diversa for uma equipa de gestão, mais perspetivas existem sobre determinado assunto e mesmo sobre a própria estratégia da organização.

Uma das características que normalmente é apontado nas mulheres como como uma fraqueza, é na minha opinião uma das nossas maiores qualidades. A inteligência emocional ajuda-nos na forma como lideramos e gerimos pessoas. Por outro lado, acabamos por ter uma perspetiva de cliente, devido aos vários papéis que desenvolvemos na nossa vida e acabamos por nos conseguir colocar nos pés dos clientes com muita facilidade.

Outra questão muito importante é a competência e a confiança, ou seja, até posso ter competência para, mas se calhar ainda não tenha a confiança necessária. E este é um trabalho que também passa muito pelas organizações. Quanto mais mulheres existirem em cargos de liderança no setor de IT, mais isso influencia as chefias intermédias e mais as motiva a acabar com estereótipos.

 

 “Empresas com mulheres em cargos de liderança têm mais sucesso” Ana Carolina Cardoso Guilhén, Iberian Channel Director, APC by Schneider Electric

Em Portugal, 60% do universo feminino opta pela área de ciências, mas ainda existe um gap no sector do IT, apesar de ser um mercado resiliente e em crescimento. A tecnologia acaba por não ser a primeira opção por diversos motivos, como é a falta de exemplos, a visão de que vai ser difícil e o facto de haver muito mais homens a exercer esta profissão. Este pensamento acaba por se tornar numa coisa natural e acaba por criar profissões de homens e profissões de mulheres. As mulheres não desistem por elas, desistem porque muitas das vezes não têm um respaldo em casa e porque a carreira do homem acaba por prevalecer.

Apesar de empresas como a Schneider Electric apresentarem fortes políticas sobre mulheres em cargos de liderança, ainda são uma minoria dentro das organizações. Ter mulheres em cargos de liderança em empresas de tecnologia aporta diversas vantagens para a organização. Da mesma forma que existem diferenças na liderança consoante a diversidade de culturas, ter uma mulher num cargo de liderança na área da tecnologia vai agregar diferentes pontos de vista e modos de agir, inerentes a algumas características próprias da mulher.

A mulher não corre riscos, é mais comedida nas suas decisões e pensa no “e se não der certo”. As mulheres precisam de se sentir parte de um todo, têm grandes preocupações a nível de sustentabilidade e a necessidade de tornar o mundo num sítio melhor, o que acaba por estar relacionado com o instinto maternal e com o facto da mulher ter a necessidade de cuidar.

Existem estudos que comprovam que empresas com mulheres em cargos de liderança têm mais sucesso. O problema está em chegar a esses mesmos cargos porque nos faltam as bases, em grande parte por causa da educação. Assim, é preciso romper barreiras e estereótipos do que é destinado ao homem e à mulher.

 


“A tecnologia faz cada vez mais parte das nossas vidas”
Ana Sofia Garcia, Channel Manager, Xerox


Um bom líder é alguém que inspira as pessoas com quem trabalha, que dá o exemplo, que reconhece o bom desempenho dos seus colaboradores e que assume responsabilidades. É isso que as empresas procuram, seja homem ou mulher.

No setor das tecnologias verificamos, historicamente, que a maioria dos líderes eram homens, e muito provavelmente esta tendência estava associada ao background académico. Entretanto, ao longo dos anos, esta realidade tem vindo a alterar-se de forma praticamente natural. A tecnologia faz cada vez mais parte das nossas vidas, o que faz com que seja uma necessidade comum.

O processo de recrutamento de um líder deve assentar nas características descritas anteriormente, equilibrando o número de homens e de mulheres em cargos de liderança dentro das organizações. Existem determinadas características que são praticamente comuns à generalidade das mulheres e que no fundo são características pessoais, como é o caso da versatilidade, capacidade de conciliação, criatividade e resiliência que acabam por oferecer valor à organização.

O facto de haver cada vez mais mulheres neste setor, deve-se em grande parte à exigência de tudo o que está a acontecer à nossa volta e a esta (quase) dependência das tecnologias e que tem vindo a quebrar estas barreiras.

 


“O fator cultural ainda é muito importante”
Carla Zibreira, Cybersecurity Consulting Director, S21sec


Os cursos estão feitos a pensar no masculino. Os cursos mais orientados para as áreas da segurança são cursos muito baseados em competências tecnológicas, muito pouco na parte da gestão da segurança, por exemplo, da cibersegurança, o que acaba por não atrair tantas mulheres. O fator cultural ainda é muito importante, uma vez que na Europa Latina a mulher continua a ter um papel preponderante no seio da família e na responsabilidade familiar, o que a liberta pouco para a parte profissional.

Tem havido uma mudança muito lenta. Infelizmente ainda não estamos no patamar onde efetivamente olham para o nosso valor, experiência e na forma de estar que é diferente entre homens e mulheres e que tem como objetivo complementar o negócio. As mulheres têm um sentimento maternal para com a sua profissão, no sentido de cuidar das suas equipas e de cuidar daquilo que fazem, e pensamos mais em estratégias de proteção do negócio.

Não há problema nenhum em ser mulher, ser mãe e ser profissional. É necessário encontrar um equilíbrio e não tem de haver um peso na consciência por eventualmente, haver algumas diferenças de papéis face aquilo que acontecia em gerações passadas em que a mulher tinha um papel muito mais preponderante em casa. É fundamental promover um ambiente heterogéneo e plural dentro das organizações do ponto de vista de competências humanas. Esta mudança de comportamento não é automática e vai demorar ainda algumas gerações.

 

“Não devemos ser nós a marcar essa diferença”
Catarina Pessanha, Channel Account Manager, Colt Technology Services

 

As empresas estão sensibilizadas para a diversidade. Na Colt tentamos criar as condições e sensibilizar todos os colaboradores, clientes e fornecedores para a importância dessa mesma diversidade. Acho que também nos cabe a nós, enquanto mulheres, não criarmos a diferença. A comparação não deve ser feita, uma vez que cada um de nós tem as suas competências e cada um de nós está vocacionado para um determinado tipo de atividade.

Acredito que a verdadeira questão não está relacionada com o facto de ser um homem ou uma mulher, mas sim com as nossas características e o nosso perfil que, neste caso, pode ser de liderança ou não. Não devemos ser nós a marcar essa diferença. Muitas vezes há um preconceito relativamente às mulheres em funções de liderança devido a questões relacionadas com a disponibilidade de tempo ou por terem de tratar da família, etc. As organizações não devem olhar para uma mulher e pensar que dado o seu género, acarreta limitações para o cargo. Nunca senti que uma porta se fechasse pelo fato de eu ser mulher e apesar de tudo, acredito que estamos no bom caminho.


“Gerir o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho”
Fernanda Catarino, Head of Channel – Product Business Europe, Fujitsu


A nossa indústria é impulsionada pela inovação – e é um facto reconhecido que ser capaz de aproveitar uma ampla variedade de perspetivas e ideias nos permite desafiar as ideias estabelecidas e inovar com muito mais eficácia. Sabemos que a diversidade numa força de trabalho oferece uma gama de experiências e opiniões que impulsionam a inovação, mas ainda assim as mulheres continuam sub-representadas nas IT.

Sem surpresa, em 2020, com a maioria de nós a trabalhar em casa, tornou-se mais difícil do que nunca gerir o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. E a necessidade de apoiar o ensino remoto das crianças acaba por aumentar a pressão. Esta questão levantada por algumas colaboradoras no canal de IT reflete uma observação recente das Nações Unidas de que a crise global do COVID-19 “tornou visível o facto de que a economia mundial e a manutenção das nossas vidas encontra-se assente no trabalho invisível e não remunerado de muitas mulheres”.

Está bem documentado que as mulheres têm capacidades sociais mais aprimoradas do que os homens, e isso traz grandes vantagens para muitas funções. E, à medida que um número crescente de tarefas se torna automatizado, são essas capacidades que terão mais procura do que nunca, pois mesmo a inteligência artificial não pode ser treinada em vertentes como a empatia.

 

“Sou a favor do mérito”
Isabel Reis, Managing Director, Dell Technologies

 

Existe realmente um crescimento bastante grande no número de mulheres em cargos de gestão. Apesar disso, há menos interesse por parte das mulheres em seguir cursos de tecnologias de informação, uma vez que também existe menos disposição dos próprios empregadores em conseguir equilibrar a contratação de mulheres para cargos de liderança.Sou a favor do mérito. Tenho algumas reservas relativamente às quotas, porque eu acho que as mulheres devem entrar por mérito e não por que os números assim o obrigam. A verdade é que eu própria tenho dificuldade em contratar mulheres porque para cada vaga há dez vezes mais homens a concorrer, o que faz com que seja mais difícil melhorar os rácios.

Está provado que as empresas que tem os níveis de diversidade mais balanceados tem mais sucesso. As mulheres aportam determinado tipo de características genéticas que são importantes ao negócio, enquanto os homens apresentam outras.

Eu sou a favor da diversidade. Ao ter uma gestão estritamente masculina, a organização acaba por perder aquilo que as mulheres podem oferecer à organização e que está relacionado com o multitasking ou com características conciliadoras. As mulheres trabalham muito por espírito de missão e apresentam uma capacidade de luta e de resiliência muito acima do normal. Portanto, as companhias devem tirar partido daquilo que são as características mais fortes das mulheres e dos homens. Atualmente, não é possível gerir uma companhia com sucesso se não existirem vários ângulos de visão.


“A importância do empoderamento das mulheres”
Paula Panarra, General Manager, Microsoft

Embora tenha havido algumas melhorias, não há alterações muito significativas no que diz respeito à representatividade das mulheres no setor das tecnologias. Atualmente, dados recentes do parlamento europeu dizem-nos que apenas 18% das mulheres da população europeia trabalha no setor da tecnologia, enquanto a Europa enfrenta uma escassez de trabalhadores.

É importante fazer um trabalho de requalificação na população ativa para que este gap diminua, enquanto se aposta na atratividade do setor. A necessidade de um maior equilíbrio daquilo que são as tarefas domésticas é também muito importante para fazer com que as mulheres continuem a ambicionar o seu avanço profissional.

Há um benefício claro na diversidade dentro das organizações, uma vez que esta permite criar inovação direcionada para o cliente final, permitindo assim tirar o maior partido das diferenças visões e perspetivas. É na essência da cultura empresarial que tem de começar esta clarificação da importância estratégica da diversidade de recursos dentro de uma organização. A importância do empoderamento das mulheres e das condições das mulheres é importante até para o desenvolvimento da sociedade e para colmatarmos aquilo que são hoje situações de desigualdade e até de pobreza a nível mundial.

 

 

Artigo publicado originalmente em IT Channel. Veja aqui a versão completa.